Após mais de duas décadas sem conseguir falar, Calado Hermínio, de 30 anos, finalmente recuperou a voz. Natural do distrito de Mecula, na província do Niassa, ele passou 23 anos sem se comunicar devido a uma condição chamada anquilose, que afetou a articulação temporomandibular.
A condição surgiu em 2002, quando, aos 8 anos, Calado sofreu uma queda enquanto tentava espantar macacos da machamba da família. O impacto levou à fusão óssea da mandíbula, impedindo a abertura da boca. Desde então, sua alimentação era restrita a líquidos e alimentos macios, além de enfrentar o estigma social por sua dificuldade de comunicação.
A reviravolta na sua história ocorreu quando uma associação religiosa, chamada Estrela do Amanhã, levou-o a Nampula para receber tratamento médico. No dia 27 de janeiro deste ano, ele passou por uma cirurgia no Hospital Central de Nampula, realizada por uma equipe especializada pelo cirurgião maxilofacial Alexeis Amita. O procedimento durou cerca de quatro horas e consistiu na abertura da região parotídea esquerda para restaurar a funcionalidade da articulação.
Emocionado, Calado falou dos desafios vívidos ao longo dos anos. "Foi muito difícil. Pensei que fosse passageiro, mas os anos passaram e continuei sem conseguir abrir a boca, comunicando apenas por gestos", relatou ontem. Após a cirurgia, sua recuperação tem sido progressiva, e ele já consegue falar, beber e se alimentar melhor.
Intervenção médica e desafios enfrentados
A descoberta do Calado foi feita por uma missão médica chamada Mozmed, composta por profissionais que atuam em comunidades remotas com difícil acesso a serviços especializados. O presidente da organização, Jacinto Joaquim, revelou que encontrou o jovem em abril de 2024, durante atendimentos no distrito de Mecula. Inicialmente, houve resistência por parte de Calado e sua família, que não acreditaram na possibilidade de recuperação.
Segundo Joaquim, a missão encaminhou 43 pacientes ao Hospital Central de Nampula no último ano, dos quais 42 já retornaram às suas comunidades após o tratamento. Apenas Calado foi internado por mais tempo devido à complexidade do seu caso.
Apesar do sucesso da cirurgia, a Mozmed enfrentou dificuldades em estabelecer uma parceria formal com o Hospital Central de Nampula, que, segundo Joaquim, não tem agendado abertura para receber os seus pacientes. "Muitas vezes, precisamos encaminhá-los de forma discreta, pois já tivemos casos de pacientes sendo devolvidos. Tentamos contato com a direção hospitalar por vários anos, mas sem sucesso", lamentou.
Ainda assim, a missão continua concorrente e espera que, após a história de Calado, haja um reconhecimento maior do seu trabalho. Em 2024, só no distrito de Mecula, uma organização atendeu mais de 2.800 pacientes, reforçando o seu compromisso com a saúde em áreas de difícil acesso.